Conheci a obra “Elodia”, do grupo alemão Lacrimosa, quando já não era nenhuma novidade para aqueles ligados ao desenvolvimento da estética musical gótica. Isso foi no alvorecer da década zero. À ocasião, senti um furor intenso por finalmente ter contato com um trabalho musical que aliava a grandiosidade wagneriana a uma boa levada heavy metal.
Nunca igualado por trabalhos posteriores – ainda que “Fassade” seja um trabalho memorável – “Elodia” traz letras que poderiam descambar para o melodramático se não fosse a grandeza de espírito revelada na construção da harmonia. Simples, beirando o infantil em alguns momentos, extremamente complexa em outros, esta obra traz a erudição para a música pop. Sem abrir mão da mais autêntica força da música erudita, consegue fazer-se compreensível, sensível e trágica, para leigos e estudiosos.
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Este petróleo movimenta cada faixa de Elodia, com sua construção verdadeiramente onírica: ouvir “Sanctus” é como estar naquelas noites em que não sabemos se o que nos vem à mente é pesadelo ou sonho... A faixa magistra da obra é um hino de louvor ao deus cristão que se converte num grito de melancolia que conclama os infernos a novamente revoltarem-se contra aquele que criou os céus e a desgraçada terra...
Toda construção da obra é permeada por vozes que se insinuam, às vezes liricamente, às vezes roucas e gritadas, no melhor do doom metal, sem deixar-se levar por uma agressividade barata. Em nenhum momento Elodia apresenta uma poética agressiva. É extremamente sutil: mesmo quando dá seus maiores gritos de repulsa a tudo àquilo que sabemos o que é (sim, sabemos...), usa-se de uma doçura amarga que faz o mais duro dos corações parar de bater por um instante...
Dentro de uma análise psicossocial, Elodia antecipou o advento, na década de zero, de toda aquela estética sombria que já vinha sendo preparada para eclodir, nos oitenta com o gótico “raiz”, nos noventa com o grunge... Ainda que, para nosso pesar, dessa estética faça parte a tristezinha infantil dos “emos”, a grande produção do grupo Lacrimosa é obra-mater que antecipou aquilo que seria o século XXI: um século, até agora, dominado por profundas incertezas, onde nos vemos perdidos entre a necessidade de afeto e o mais selvagem individualismo. A estética emo nada mais é a solidão que, de tão doentia, torna-se infantilizada.
Lacrimosa, ao contrário desse desamparo de criança desmamada, traz a dor trágica daqueles que viveram o suficiente para saber que a vida não precisa ser assim... mas nossa sociedade está fazendo com que seja.
Pensando na obra subsequente de Lacrimosa, citada aqui, eu pergunto: haverá uma Morgen Danach (manhã seguinte) para nós?
Cedi esse espaço ao meu grande amigo Luiz Bosco S. Machado Jr., psicólogo, autor deste texto.
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