domingo, 17 de janeiro de 2010

“Lacrimosa”, a antecipação da melancolia de nosso século: comentário estético e psicossocial à obra Elodia.

Conheci a obra “Elodia”, do grupo alemão Lacrimosa, quando já não era nenhuma novidade para aqueles ligados ao desenvolvimento da estética musical gótica. Isso foi no alvorecer da década zero. À ocasião, senti um furor intenso por finalmente ter contato com um trabalho musical que aliava a grandiosidade wagneriana a uma boa levada heavy metal.

Nunca igualado por trabalhos posteriores – ainda que “Fassade” seja um trabalho memorável – “Elodia” traz letras que poderiam descambar para o melodramático se não fosse a grandeza de espírito revelada na construção da harmonia. Simples, beirando o infantil em alguns momentos, extremamente complexa em outros, esta obra traz a erudição para a música pop. Sem abrir mão da mais autêntica força da música erudita, consegue fazer-se compreensível, sensível e trágica, para leigos e estudiosos.

Podem falar dos artistas em que Tilo Wolff bebeu. E por acaso uma obra de arte nasce do nada? De maneira alguma. Mas uma obra de arte transcende sua época quando consegue soar cordas do humano que vão além do momento sóciopolítico. Lacrimosa bebe de fontes como Antonio Bartoccetti, de Antonius Rex e Jacula, trabalhos que mereceriam ser melhor valorizados por aqueles que dizem assumir uma “estética do sombrio”; Black Sabbath, em seus melhores momentos de magia negra e ousadia – no início dos setenta do século passado; e, dentre outros que seria necessário citar (Alice Cooper, Grimson, e, até mesmo, Led Zeppelin – vide sua ligação com o pensamento de Alesteir Crowley e as músicas instrumentais intermináveis), Lacrimosa bebe inclusive nas origens do também alemão Kraftwerk ­– o grupo Organisation. Tilo Wolff nunca negou seu intenso contato com a música eletrônica: não aquela estupidez de festinhas, mas a música eletrônica industrial, sombria e espessa como petróleo puro.

Este petróleo movimenta cada faixa de Elodia, com sua construção verdadeiramente onírica: ouvir “Sanctus” é como estar naquelas noites em que não sabemos se o que nos vem à mente é pesadelo ou sonho... A faixa magistra da obra é um hino de louvor ao deus cristão que se converte num grito de melancolia que conclama os infernos a novamente revoltarem-se contra aquele que criou os céus e a desgraçada terra...

Toda construção da obra é permeada por vozes que se insinuam, às vezes liricamente, às vezes roucas e gritadas, no melhor do doom metal, sem deixar-se levar por uma agressividade barata. Em nenhum momento Elodia apresenta uma poética agressiva. É extremamente sutil: mesmo quando dá seus maiores gritos de repulsa a tudo àquilo que sabemos o que é (sim, sabemos...), usa-se de uma doçura amarga que faz o mais duro dos corações parar de bater por um instante...

Dentro de uma análise psicossocial, Elodia antecipou o advento, na década de zero, de toda aquela estética sombria que já vinha sendo preparada para eclodir, nos oitenta com o gótico “raiz”, nos noventa com o grunge... Ainda que, para nosso pesar, dessa estética faça parte a tristezinha infantil dos “emos”, a grande produção do grupo Lacrimosa é obra-mater que antecipou aquilo que seria o século XXI: um século, até agora, dominado por profundas incertezas, onde nos vemos perdidos entre a necessidade de afeto e o mais selvagem individualismo. A estética emo nada mais é a solidão que, de tão doentia, torna-se infantilizada.

Lacrimosa, ao contrário desse desamparo de criança desmamada, traz a dor trágica daqueles que viveram o suficiente para saber que a vida não precisa ser assim... mas nossa sociedade está fazendo com que seja.

Pensando na obra subsequente de Lacrimosa, citada aqui, eu pergunto: haverá uma Morgen Danach (manhã seguinte) para nós?

Cedi esse espaço ao meu grande amigo Luiz Bosco S. Machado Jr., psicólogo, autor deste texto.

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